Segundo
sua própria biografia, Rita Lee estava passando um momento
complicado da sua vida em 1993, especialmente em relação às
drogas, e mais especialmente ainda em relação ao álcool, a pior
droga de todas. Tendo saído do Bossa ‘n’ Roll, show e
disco calminhos voz e violão em que revisitava seus maiores sucessos
(e alguns de outrem) em arranjos bossa-nova sem a ajuda do fiel
escudeiro e marido Roberto de Carvalho, Rita estava até morando
sozinha para dar uma folga pra família. Lembro-me ainda hoje da vez
em que passou mal e foi internada em coma, dois anos depois, algumas
semanas antes de abrir para The Rolling Stones no Rio de Janeiro.
Isso foi bem explorado pela imprensa, inclusive como algo pitoresco.
“Eu comi bolo e tomei um chá de trombeta de anjo, mas acho que foi
o bolo que fez mal”, dizia Rita na Globo com os cabelos vermelhos
bem arrepiados. Todos rimos.
Pois
foi em 1993 que, quase separada de Roberto de Carvalho – embora não
propriamente separada –, Rita não só continuou o trabalho sozinha
como fez um discaço com nada mais que seu próprio nome no título.
E embora todo o primeiro parágrafo desse texto tenha focado no
assunto “drogas” para introduzir minhas impressões sobre esse
disco, esse disco não é um disco sobre drogas. É um disco sobre as
mulheres. Não há nele uma música que não seja sobre as mulheres,
sobre o mundo feminino. E acho que é aí que Rita mais soa rock
and roll. Todos sabemos que o tema não é novidade no trabalho
da Ritinha, mas um álbum inteiro sobre isso em meio a um turbilhão
emocional é bastante arriscado. Bom, não se tiver uma pegada
realmente rockeira e for feito por uma artista genial, claro.
E o disco é foda pra caralho. Bem assim, com dois palavrões. Bem
rock and roll.
Filho
Meu é a primeira faixa do álbum
e é porrada: o filho diz mãe, hoje já é amanhã /
aquele sonho tutti-frutti, mãe / virou um kaos de hortelã,
citando a banda que acompanhou Rita nos 1970s. No
entanto, a mão que afaga é da mãe que afoga.
Cheirinho de Freud. A segunda faixa, Tataratlantes,
também é incrível e é uma apresentação da senhora roqueira: sou
uma dinossaura com aura de iguana.
Versos geniais da melhor safra da poeta Rita. Aí vem a
incrível Drag Queen,
praticamente apresentando para o Brasil o fenômeno de comunicação
em massa que ganhou esse nome. Será que Pabbllo Vittar já agradeceu
à titia Rita? Que música, senhores, que música! O lado A fecha com
Mon Amour, canção
deliciosa metade em português e metade em inglês, a bossa-novinha
Maria Ninguém com Do
You Want to Know a Secret, dos
Beatles, como incidental (ficou ótimo!) e a maravilhosa Menopower,
que sempre me lembra uma colega de trabalho que falava bastante sobre
seu climatério. Menopower pra quem foge às regras
/ Meno male quando roça e esfrega /
Menopower pra quem nunca se entrega /
Melancólicas, vocês são piegas.
O
lado B começa com a também incrível Todas as Mulheres do Mundo
e seus versos absolutamente sem dó nem piedade. Será que a Xuxa,
sempre tão amiga da Rita, ouviu isso: Paquitas de paquete
/ Xuxas em crise / Macacas de auditório / Velhas atrizes?
Acho que sim e perdoou: toda
mulher é meio Leila Diniz. A
única faixa que eu acho fraquinha nesse disco é Canaglia,
versão de Patrício Bisso
para uma canção da italiana Katyna
Ranieri. Ambição,
Benzadeusa
com
sua poderosa Ave
Maria e uma coda emocionante, Deprê
e Só
Vejo Azul, sambinha com letra de Itamar Assumpção sobre os lindos olhos da Rita, são
igualmente incríveis. Ah, destaque para o
tutti-frutti Lee
Marcucci tocando baixo em quase todas as faixas.
Caso
alguém queira saber o final da história, Rita parou com as drogas,
casou com Roberto oficialmente em Curitiba e são um casal feliz até
hoje. Mas o legado de Rita
Lee (1993)
permanecerá. Eu tenho certeza que esse disco ainda será descoberto
por jovens do futuro e fará um sucesso danado.
Sempre arrasando, abstém
ResponderExcluirAnderson Garcia... Só ando meio angustiado porque a Rita Lee foi diagnosticada em maio desse ano com câncer no pulmão e a mídia não tem dado mais qualquer notícia...