GILBERTO GIL AO VIVO
Quando eu era pequenininho, lá pelos 3 anos de idade, eu
era um fã mirim de Gilberto Gil. Tinha o Realce lá em casa e, como já disse aqui, os
arcos de purpurina na capa e especialmente no selo do disco me encantavam. Um
outro disco – uma coletânea da série História
da Música Popular Brasileira – trazia várias fotos do compositor, algumas
com uma lua e uma estrela no cabelo, outras com trancinhas etc. e eu achava
tudo aquilo lindo. Criança viada, sabe como é. Esse disco me faz lembrar da minha
querida irmã Mariza, falecida em 2014. Mas, acima de tudo, havia a música,
claro. Minha mãe dizia que havia uma época em que o praticamente bebê Anderson
Garcia só dormia ouvindo Gilberto Gil. Depois que eu descobri que a música da abertura
do Sítio do Picapau Amarelo, programa
da Rede Globo baseado na obra infantil de Monteiro Lobato, era cantada por ele,
a minha admiração de criança então só aumentou. Isso era no começo dos anos
1980. Lembro ainda de meus irmãos me dizendo que o Gil era feio só pra me
irritar. E eu ficava brabo mesmo.
Tudo isso só pra justificar o fato de que o artigo de
hoje é sobre ele. De novo. Poderiam ser todos, haja vista a riqueza de sua
imensa obra. Mas hoje trago à pauta o disco gravado ao vivo no Montreux
International Jazz Festival, evento anual que tem lugar na Suíça e
reúne artistas do mundo inteiro em apresentações lendárias, incluindo uma noite
especial brasileira, e gerando um número enorme de discos nos mais variados
países do globo (quando a Terra ainda não era plana). Esse é de 1978, ano do
meu nascimento, da 12ª edição do festival e da primeira participação de Gil
nele.
Esse disco, duplo, rodando na agulha, é como um carrossel
descontrolado que não pára mesmo quando desconectado da tomada elétrica. Ele
começa mansinho, com uma homenagem a Oxalá – “santo” das religiões de origem
africana – apresentada em inglês, apesar dos protestos de parte da plateia que
pedia para ele falar em português. Essa homenagem, na percussão, introduz Chuck Berry Fields Forever, na versão
também em inglês, clássico dos Doces Bárbaros (no caso, em português), de
composição do próprio Gil, e continua com uma então inédita: Chororô (Gilberto
Gil). E só essas duas faixas já completam o lado 1, de 16min. É que não faltam
nelas interações com a plateia e improvisações deliciosas que introduzem o
clima muito quente do disco inteiro. Imagina esse calor todo na Suíça.
O lado 2 traz outra dos Doces Bárbaros: São João, Xangô Menino, de Gil e Caetano, e Respeita Januário, de Luiz Gonzaga e de seu principal parceiro de composição Humberto Teixeira. A letra dessa última é muito divertida. Januário era o nome do pai do Gonzagão. Nesta canção, Luiz conta que, ao voltar para o sertão depois de uma visita à cidade grande, com seu “fole” (sanfona) prateado de 120 baixos (aqueles botõezinhos pretos do instrumento), sua intenção era debochar da sanfona velha do pai. Porém, no caminho, ao saber dessa sua intenção, todo mundo lhe aconselhava a respeitar os oito baixos do seu pai. Só essas duas canções fecham os 16min desse lado.
A partir daí o disco pega fogo e é possível sentir nos
nervos a energia daquela noite. É incrível como uma agulhinha num disco de
plástico pode passar tanta emoção e nos fazer “ver” – não só ouvir, “ver” – com
os olhos da imaginação, claro, um mestre do palco conduzindo uma plateia e
fazendo-a segui-lo inconteste até o final do show. Final este que, segundo
Nelson Motta, em depoimento na contracapa do disco, teve de ser adiado cinco
vezes por conta da plateia em delírio pedindo bis sem deixar o artista ir
embora do palco. Um verdadeiro flautista de
Hamelin. O lado 3 – um disco duplo tem quatro lados, ok? –, então, começa
com a canção Ela (Gilberto Gil), do álbum
Refazenda, cantada em português e em
inglês, continua com uma versão de Bat
Macumba (Gil e Caetano) que alterna pianos
e fortes hipnóticos e termina com
Exaltação à Mangueira, de Eneas
Brites e Aloizio da Costa. Mas não se enganem, por favor: tem muito mais do que
somente execuções burocráticas dessas três canções nesse lado do disco. Só
ouvindo para testemunhar.
O lado 4 traz Procissão,
do Gil, Atrás do Trio Elétrico, do
Caetano, Mamãe Eu Quero (Vicente
Paiva e Jararaca) e uma jam session chamada
neste disco de Triole. Jam session, caso você esteja se
perguntando, é uma improvisação musical. Acredito que estas duas últimas nem
estavam no setlist preparado para a
noite e foram incluídas mesmo somente para satisfazer um público que não parava
de aplaudir e pedir mais um. O ritmo é frenético, as palmas da plateia são
ritmicamente sincronizadas e a sensação que se tem, nesse final do disco, é que
ninguém queria ir embora. Sabe euforia? Agora pensa numa euforia que pode ser sentida
em uma gravação em vinil. Imagina para quem presenciou ao vivo essa catarse...
Como se não bastasse, o time de músicos conta com ninguém
menos que Pepeu Gomes na guitarra, nome que simplesmente dispensa
apresentações, seu irmão e também novo
baiano Jorge Gomes na bateria, Djalma Correa, uma lenda viva da percussão, o incrível Rubão Sabino no baixo e Maurício Carvalho, o Mu, da Cor do Som,
nos teclados. Curiosidade: Mu é irmão do baixista Dadi, também da Cor do Som.
Quem não conhece que fique sabendo, mesmo que seja através deste humilde
artiguinho, que este grupo de músicos é simplesmente a nata da nata da nata da
nata. Músicos populares porém virtuosos e cheios de soul.
Se se puder dizer algo negativo em relação a este álbum é
somente a quantidade excessiva de overdubs.
Overdub é quando os técnicos ou os
próprios músicos acham que algo não ficou bom o suficiente na gravação ao vivo
e refazem alguma parte em estúdio para substituí-la. Geralmente algo pequeno,
como uma frase, um final etc. De qualquer modo, você pode conferir esta
apresentação sem os overdubs aqui. De
nada.
Criança viada ... kkkkkk
ResponderExcluir🤣
ExcluirOlá Anderson! O vídeo que está no Youtube que você fez o upload, teria como disponibilizar o arquivo original ou indicar aonde que você conseguiu ele? Procurei em tudo que é lugar e não consegui achar, queria fazer uma versão só com o áudio dele. Abraço!
ResponderExcluirEu tinha baixado ele aqui: https://www.jobim.org/gil/handle/2010.4/17558, mas parece que não está mais lá. De qualquer modo, é fácil baixar arquivo direto do YouTube. Tem sites online que fazem isso. Só pesquisar no Google "download from youtube online free".
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