O DISCO DO SHOW DA PRISÃO
Pouca gente sabe, mas o show que foi usado como pretexto
para a prisão e para o exílio de Caetano Veloso teve quatro músicas gravadas e lançadas em compacto duplo (que, na verdade, é um disco pequeno, conhecido
como 7 polegadas, porém com duas
músicas de cada lado). O show acontecia na boate Sucata, no Rio de Janeiro, em outubro
de 1968.
Segundo o próprio Caetano Veloso, em entrevista concedida
a Jô Soares em 1992, o jornalista de direita Randal Juliano, publicamente e na
televisão, o acusou de ter feito e cantado uma paródia subversiva do Hino
Nacional Brasileiro neste show na boate Sucata, além de desrespeitado a
bandeira brasileira. Segundo as memórias do compositor, o fato de uma obra de
arte de Hélio Oiticica, que era uma bandeira, estar no show compondo o cenário
pode ter gerado a confusão ou dado “pano pra manga” para a acusação. Essa
bandeira trazia a figura de um homem morto no chão sob os dizeres SEJA
MARGINAL, SEJA HERÓI. Aqui parece haver uma confusão: Caetano, na entrevista –
e esta informação se espalhou pela net – disse que o homem morto retratado na
obra era um assassino conhecido como Cara de Cavalo. Porém, segundo Rafael Cardoso,
escritor e historiador da arte, neste site, o
retratado era, na verdade, um outro bandido de nome Alcir Figueira da Silva,
que havia preferido o suicídio a se entregar à polícia.
No mesmo ano dessa entrevista, Randal Juliano pediu
direito de resposta a Jô Soares e disse que admitia sua irresponsabilidade ao
veicular essa informação falsa. Disse, no entanto, que sempre checava as
informações antes de lê-las em seu programa Guerra
É Guerra, na TV Record, mas que, dessa vez, não tinha tido tempo de
fazê-lo. Como confiava em sua produção, recebeu o papel e leu. Mas a treta não
acaba por aí. Em entrevista a Pedro Bial, este ano, sobre o documentário
Narciso em Férias, Caetano diz que essa inocência toda de Juliano não se
justifica porque ele viu o jornalista sendo blindado pelos militares quando Caetano
revelou que a notícia dada por ele era falsa. Enfim, a história de hoje é
pesada.
Depois disso, Caetano e Gil ficaram presos por um mês em
solitárias, sob condições mínimas de alimentação e higiene, até serem
interrogados e forçados a buscar exílio em Londres. O resto é História.
Pois bem. O compacto duplo Caetano Veloso e os Mutantes Ao Vivo traz quatro músicas gravadas nesse show polêmico: Baby, Saudosismo, Marcianita e A Voz do Morto. Baby é um sucesso até hoje, Saudosismo fala da bossa-nova com vários versos de canções desse gênero sendo citados na letra, Marcianita é uma versão em português de uma canção chilena e A Voz do Morto, a mais interessante de todas, é uma canção que Caetano Veloso compôs a pedido de Aracy de Almeida, para ela gravar. Segundo o compositor, a letra de A Voz do Morto praticamente lhe foi “ditada” por Aracy quando do pedido. Ele só juntou as informações e deu a elas forma de canção.
Se o disquinho não fosse bom, valeria somente pela sua
história. Não procure saber quanto ele vale em reais.
Faixa bônus: o ano de 1992 foi o ano em que Caetano Veloso começou a falar sobre o assunto de sua prisão mais amplamente, especialmente no show Circuladô Vivo, registrado em VHS lançado comercialmente. Durante muito tempo a imprensa brasileira ficou proibida de trazer o assunto à tona.
E tu tens tordos esses registros! Uau... além da relíquia do compacto... Que 👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirTodas as fotos que posto aqui no blog são de itens do meu acervo.
ExcluirInteressante texto e,claro, a história no entorno desse compacto.
ResponderExcluirObrigado! 😊
ExcluirShow!! De uma riqueza de detalhes impressionante, parabéns por socializar tanta história, gratidão.
ResponderExcluirObrigado! ❤
Excluiroi, Anderson. Eu comentei lá no Facebook que não tenho este Compacto duplo, e que nem sabia da sua existência, Da história que vc conta aqui, eu já soube. E as músicas do Compacto eu também conheço. Mas, de fato, não sabia da existência dessa gravação. E que foi lá no tal show que deu pano pra manga, e propiciou o exílio de Caetano e Gil. Eu sou compositor, e vivi a Tropicália como um fã ardoroso, assistia o programa da TV, que durou muito pouco tempo. E sofri musicalmente grande influencia do movimento, especialmente me "liberando" para compor em qualquer direção, sem estilo definido e rigido. Venci um festival em 1969, na cidade do interior paulista, onde nasci, com uma canção inspirada nos mutantes.
ResponderExcluirPena que não tem identificação. Não sei quem é.
ExcluirQuem escreveu foi Iso Fischer, pensei que aparecesse automaticamente
ExcluirQueria te parabenizar pelo blog, mas principalmente pela forma com que você escreve. De fácil leitura, leve e clara.
ResponderExcluirVocê é excelente em tydo que faz.
Obrigada por dividir tamanha cultura.
😍 Obrigado!
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