25 ANOS DE MARIA BETHÂNIA

 


            A contar do primeiro álbum, lançado em 1965, 1990 foi o ano em que Maria Bethânia comemorou 25 anos de carreira. Um quarto de século, para a filha da festeira Dona Canô, foi motivo suficiente para comemoração em grande estilo. E assim surgiu o álbum 25 Anos, com sua capa linda figurando uma “deusa de Bali” cedida pela atriz Renata Sorrah (segundo informação no encarte), os nomes da cantora e do álbum em letras douradas, texto do compositor Fausto Fawcet na contracapa, um encarte enorme e um disco recheado de participações especiais que fizeram da sua sonoridade uma verdadeira coletânea de sons e possibilidades da Música Popular Brasileira.

            O álbum inicia com uma abertura ao som forte da Bateria da Mangueira, para dar “de cara” aquela sensação de que o que vem pela frente é grandioso e nenhum pouquinho ordinário. E então um pequeno texto de Mário de Andrade, retirado do poema O Poeta Come Amendoim, dá o tom de brasilidade do disco ao introduzir a belíssima Canto do Pajé, de Villa-Lobos com letra de Carlos Marinho de Paula Barros. O arranjo, o piano e o violão são do espetacular músico e compositor Egberto Gismonti e o cello de Jacques Morelembaum, entre outros músicos. Tudo isso é só a faixa 1. A 2 é a primeira gravação da famosa Tocando em Frente (Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais...), dos grandes expoentes da música sertaneja de raiz Almir Satter e Renato Teixeira. Almir também participa da faixa fazendo vocalise. Maria, de Ary Barroso e Luiz Peixoto, aparece em um medley com Linda Flor (Ai ioiô, eu nasci pra sofrer...), de Henrique Voggeler, Cândido Costa, Luiz Peixoto e Marques Pôrto, com participação especialíssima do mestre João Gilberto na voz e no violão (e mais ninguém). O lado A fecha com duas faixas menos expressivas, na minha opinião: Logrador, de Orlando Morais e Antônio Cícero, e Quase, de Mirabeau e Jorge Gonçalves.

            O lado B inicia com a estonteante Pronta pra Cantar (Ready to Sing), do mano Caetano, rimando versos em português cantados por Bethânia com outros em inglês entoados pela voz expressiva da icônica cantora americana Nina Simone. Nesta canção, gravada à distância pelas duas divas da voz, Nina nos EUA e Bethânia no Brasil (sequer chegaram a se encontrar pessoalmente), Caetano tem a audácia de rimar ground com chão, entre outras genialidades, em versos que se intercalam na voz e na língua. Um luxo de engenharia poética. Aí vem outro bruxo nos mostrar que harmonia é quebra-cabeça: Hermeto Pascoal faz o arranjo “maluco” de Tomara, de Alceu e Rubinho Valença (alguém aí sabe se são parentes?). Além de fazer o arranjo, Hermeto toca sanfona e canta na faixa. A canção seguinte, Flor de Ir Embora, um dos maiores sucessos do disco, da compositora carioca Fátima Guedes, traz arranjo doce e melancólico de Jaime Alem, arranjo de cordas de Wagner Tiso, violão da própria Fátima e sanfona do mestre Sivuca. Se essa não é uma definição de luxo, eu não sei o que seria. O medley Awô (domínio público) / Iansã (Caetano Veloso, na verdade trecho da canção As Ayabás) traz os tambores do candomblé gravados na Bahia para a brasilidade do disco. Entre os percussionistas, o genial Djalma Corrêa, além das participações especialíssimas de Gal Costa e Alcione. Uma bela e grave trovoada separa esta faixa da última, um trecho de Palavra de Poeta, de Moraes Moreira e Fred Góes, aqui credita somente com o título Palavra. A poderosa bateria da Mangueira, assim como abriu, vem para fechar o disco, não sem antes Bethânia entoar o verso Apesar de você, da inesquecível canção de mesmo nome de Chico Buarque.

            Se não fosse o álbum Maria (1988), de que tratei aqui, esse sem dúvida seria aquele que eu consideraria o melhor álbum de Bethânia. Aquele era uma homenagem explícita aos 100 anos da abolição da escravatura no Brasil e este é uma comemoração pelos então 25 anos de carreira. Os dois álbuns, separados na discografia pelo também excelente porém menos expressivo Memória da Pele (1989), trazem muita inovação à sonoridade da arte de Bethânia, com arranjos muito diferentes entre si e participações de nomes de grande peso na música mundial. Algumas pessoas acusam Bethânia de fazer “sempre o mesmo disco” ou “sempre o mesmo show”. Claro que eu não concordo com isso, mas talvez esses dois discos sejam a melhor indicação neste caso. De qualquer modo, é bonito ver como os discos de Bethânia não perderam a qualidade nos anos 1980, pródigos em arranjos de teclados aguados e baterias eletrônicas sem alma.




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