MVSIKA BEM ANTIGA

              Quando você gosta muito de uma coisa e quer saber tudo sobre ela, inevitavelmente chegará o dia em que você terá de aceitar que não pode saber tudo sobre o que ama porque todo conhecimento é – feliz ou infelizmente – limitado. E isso vale para tudo: um dia você quer saber o que havia antes do big bang, ou se o universo é infinito, como soava a língua egípcia antiga, qual a menor fração de tempo possível ou o que se passa na cabeça da pessoa que você ama. Eu, que adoro música, tinha por referência de música antiga Johann Sebastian Bach, século 17/18, e sabia da existência do canto gregoriano, com registros a partir do século 13. A partir daí, sobram-me três curiosidades principais: como eram as músicas das liras que acompanhavam os poemas na Grécia antiga, como eram as músicas das cantigas galego-portuguesas (aquelas de amor, amigo e escárnio e maldizer que a gente aprendeu no ensino médio) na Idade Média e como eram as outras peças musicais também da Idade Média que não se enquadravam no repertório católico do canto gregoriano (e que, portanto, não eram “escritas”)? Como eram? Perguntas, como vocês sabem, sem resposta exata.
 
            Um dia, uma professora minha (eu estudei Letras na Universidade Federal de Santa Catarina) trouxe para sala de aula um CD com cantigas galego-portuguesas da Idade Média e eu fiquei empolgado para conhecê-las. No entanto, o próprio encarte dizia que aquelas gravações eram recriações e que não havia registro escrito da música dessas cantigas. Aí, já passamos de conhecer a imaginar. E isso, claro, não é suficiente para um Sr. Neurótico, especialmente um de sobrenome Obsessivo. Mas já foi bem legal ter uma ideia.
 
            Uma peça-chave para começar a sanar essas dúvidas é o flautista, maestro e luthier brasileiro Ricardo Kanji, fundador, em 1966, do conjunto musical Musikantiga. Fazia parte do grupo também seu irmão Milton Kanji, falecido em fevereiro deste ano, Dalton de Luca e Paulo Herculano. O primeiro LP, de 1967, traz algumas peças dos séculos 13, 14, 16, 17 e 18 e nos dá um vislumbre de como soavam as músicas medievais e renascentistas. Tendo estudado nos Estados Unidos, no Canadá e na Holanda, Kanji é mestre em restauração de peças musicais, completando pedaços perdidos e “desenterrando” obras desconhecidas. Além disso, na função de luthier, dedicou-se a recriar instrumentos antigos e a buscar performances o mais precisas possível de músicas até então completamente ignoradas pelo grande público. Um verdadeiro tesouro para quem tem sede de cultura, no sentido mais amplo da palavra. A boa notícia é que esse LP, na época, fez um sucesso considerável e é facilmente encontrado na net e bem baratinho. Segue a lista de faixas, compositores e períodos.
           
01. Greensleeves to a Ground
Anônimo do século 18
 
02. Il lamento di Tristano
Anônimo do século 14
 
03. Sonata a Três, nº 5 (1736)
Pierre Prowo (Alemanha, 1697-1757)
 
04. Galharda
Orlando Gibbons (Inglaterra, 1583-1625)
 
05. Lacrimae Antiquae
John Dowland (Inglaterra, 1563-1626)
 
06. Recercada Quinta
Diego Ortiz (Espanha, 1510-1570)
 
07. Sonata para Flauta e Baixo Contínuo
Jean-Baptiste Loeillet (Londres, 1680-1730)
 
08. Il Trotto
Anônimo do século 13
 
09. Aria
John Adson (Inglaterra, século 16)
 
10. Pavana e Galharda
William Byrd (Inglaterra, 1540-1623)
 
11. Fantasia
Enríquez de Valderrábano (Espanha, século 16)
 
12. Moteto: Alle Psalite cum Luya
Anônimo do século 13
 
CONJUNTO MUSIKANTIGA DE SÃO PAULO
Dalton de Luca: viola da gamba
Milton Kanji: flautas doces
Paulo Herculano: cravo
Ricardo Kanji: flautas doces




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