不慮


            Como vocês podem ver, meu fetiche por palavras em outros alfabetos continua firme e forte. Essa aí do título é, em japonês, furyo (pronúncia: furiô), e foi escolhida para o título em português do filme Furyo, em Nome da Honra (1983), apesar de o título original ser Merry Christimas, Mr. Lawrence (Feliz Natal, Sr. Lawrence). 不慮 significa imperfeição, defeito, algo mal feito. Não é o caso do filme em questão. Muito menos da trilha sonora.

            Curiosamente, os dois protagonistas do filme são dois músicos de renome internacional. David Bowie foi um famoso cantor e compositor inglês conhecido como “camaleão do rock”, tanto por ter tido uma fase de sua carreira em que vivia mudando de cara, maquiagem, cabelo, estilo e até voz, quanto por ser meio outsider, estilo de quem prefere ficar por fora do que faz sucesso fácil. Apesar da carreira musical, Bowie também fez vários filmes atuando como ator mesmo. É esse o caso. Já Ryuichi Sakamoto (坂本 ) é um músico e compositor japonês que adora música brasileira, aliás como muitos japoneses. Sakamoto é, por exemplo, o responsável pelo arranjo de Rosa, música de Pixinguinha presente no álbum Mais da Marisa Monte, além de tocar em várias faixas do mesmo álbum. É arranjo e execução dele também a incrível É Preciso Perdoar, gravada em parceria com Caetano Veloso e com a cantora cabo-verdiana Cesária Évora e lançada no álbum Red Hot + Rio, de 1996. Que eu saiba, Furyo é a única vez em que Sakamato trabalhou como ator.

            Na trama dirigida por Nagisa Ōshima (大島渚), o mesmo de Império dos Sentidos, Jack Celliers (Bowie) é um prisioneiro inglês que cria a maior celeuma em um campo de concentração de guerra ao se recusar a seguir as regras rígidas do japonês Capitão Yonoi (Sakamoto), na ilha de Java, em 1942. Regras essas que, diga-se de passagem, deveriam ser seguidas igualmente tanto pelos prisioneiros ingleses quanto pelos oficiais japoneses. Isso vai agravando a situação e intensificando os sentimentos dúbios de um pelo outro. Mas eu não vou contar o resto, claro. Trata-se, resumidamente, de um filme sobre choque cultural, com uma sutil dose de homoerotismo, disfarçado de filme de guerra.

            A trilha é toda de Sakamoto e quem já conhece algo do compositor sabe que não vai se arrepender de ouvir, se já não ouviu. Essa trilha ganhou um prêmio chamado BAFTA (British Academy Film Awards) e, no Brasil, esse álbum só teve um lançamento em vinil, de 1983 mesmo. Naturalmente eu não tenho muito o que comentar de um álbum de música instrumental de Ruyichi Sakamoto trilha sonora de um filme a não ser que a música dele é foda da primeira à última faixa. No entanto, gostaria de recomendar uma faixa, caso alguém precise de uma para começar: Ride Ride Ride (Celliers’ Brother’s Song) é uma canção cantada pelo irmão do personagem de Bowie em uma linda cena de flash back. A gravação da voz ficou por conta do próprio ator-mirim James Malcolm, na época com 12 anos, que, além de interpretar o irmão de David Bowie no filme, ainda teve de cantar para a trilha sonora. Malcolm também era cantor de coro de igreja e seguiu, posteriormente, carreira de músico. A primeira faixa do LP, tema principal do filme, também é linda.



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