JULINHO DA ADELAIDE


O COMPOSITOR QUE NUNCA EXISTIU


            No começo dos anos 1970, a censura estava realmente enchendo o saco do cantor e compositor Chico Buarque. A “mensagem oculta” de Apesar de Você, lançada em compacto em 1970, tinha ficado repentinamente clara para os militares e a execução da canção nas rádios foi proibida. A peça Calabar, o Elogio da Traição também tinha sido proibida depois de completamente montada, pronta para estrear, e o nome Calabar ficou proibido para a capa do disco, que acabou saindo com uma capa completamente branca e com o título Chico Canta, em 1973. A coisa chegou ao ponto de nada do Chico ser liberado mais. As letras das suas músicas eram censuradas sem nem mesmo serem lidas.



            Então o negócio foi lançar um disco com canções de outros compositores. Um disco maravilhoso, aliás. É divertido ouvir o Chico interpretando canções que fogem ao estilo arquitetônico dele; e tem as maravilhosas Festa Imodesta, do Caetano Veloso, e Copo Vazio, do Gilberto Gil. O disco também traz uma gravação perfeita e hoje famosa de Sinal Fechado, do Paulinho da Viola, e esse é também o título do álbum, de 1974.


            Mas a faixa mais legal do disco obviamente é Acorda, Amor, de Leonel Paiva – outro personagem fictício, irmão de Julinho - e Julinho da Adelaide. E quem era esse Julinho da Adelaide? Aí é que tá. O bicho tinha biografia, dava entrevista, tinha mãe etc., mas nunca aparecia efetivamente pro pessoal conhecer o rosto dele. É que Julinho da Adelaide era, na verdade, um personagem-compositor inventado por Chico Buarque. Ao receber as letras do disco Sinal Fechado, o censor viu que nenhuma tinha sido escrita pelo cantor, incluindo Acorda, Amor, canção provavelmente romântica, de um tal de Julinho da Adelaide. Nem leram a letra. Tudo aprovado. Quando saiu o disco é que se descobriu que o eu-lírico de Acorda, Amor, ao ouvir “barulho lá fora”, teve certeza de que era os hôme e, não podendo chamar a polícia, acorda a mulher e pede pra ela chamar o ladrão. Simplesmente genial. Não há outro adjetivo possível.

            Julinho da Adelaide também compôs o também divertidíssimo rock Jorge Maravilha, com seu icônico verso você não gosta de mim, mas sua filha gosta. Essa foi lançada ao vivo no show Banquete dos Mendigos, em 1973, em comemoração pelos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O show contou com a presença de inúmeros artistas da música popular brasileira, de Edu Lobo a Raul Seixas, além, é claro, do próprio Chico. Já o disco foi gravado, mas foi censurado, só liberado para lançamento em 1979. Antes disso, um registro também ao vivo da canção já havia aparecido na coletânea Palco, Corpo e Alma, álbum triplo com trechos de shows de Maria Bethânia, Chico Buarque, Gal Costa, Jorge Ben, Elis Regina, Gilberto Gil, Jair Rodrigues, Baden Powell, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes, Nara Leão e MPB-4.


            Por fim, mas não menos importante, a terceira composição de Julinho da Adelaide conhecida chama-se Milagre Brasileiro, título e deboche praticamente autoexplicativos. A canção, não sei por quê, foi lançada somente em 1980, gravada pela Miúcha, cantora e irmã de Chico, num álbum que tem no título o nome da cantora.



            Em 1975, o Jornal do Brasil desfez a farsa e revelou que Julinho da Adelaide era mesmo o Chico Buarque. A partir de então, o censores passaram a exigir documentos comprovando a existência do compositor. Como dica, aconselho que vocês procurem as histórias de Julinho da Adelaide na net. Ele deu entrevista pro rádio (na voz do Chico, claro), foi preso no lugar do irmão etc., um monte de presepada divertida nascida da cabeça do gênio Buarque e de seus amigos, incluindo o escritor Mário Prata. Até Sérgio Buarque de Hollanda, historiador importante e pai do Chico, entrou na brincadeira escolhendo em um livro sobre a história da África, em sua biblioteca, a foto da Adelaide. Vale a pena a pesquisa. Vocês vão se divertir.

            PS: A cada disco que eu citava nesse artigo, eu ficava com vontade de escrever “discaço!”. Então, pra não ficar repetitivo, deixei todos eles aqui pro final: discaços!

Comentários

  1. Julinho da Adelaide foi o pseudônimo que Chico utilizou também numa letra que dizia ""vc não gosta de mim, mas sua filha gosta". Era uma filha de um militar que era fã de Chico, e esse pai militar não suportava Chico Buarque...

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