SONGS FOR DRELLA
Diz-se do primeiro disco do Velvet Underground, banda nova-iorquina dos anos 1960, que vendeu
muito pouco, mas quem comprou um montou uma banda. Essa anedota serve como
alegoria para o fato de que, apesar de ter vendido poucos discos na sua
estreia, a banda se tornaria extremamente influente na cena rock ‘n roll
mundial, sendo citada como grande inspiração por artistas do mundo todo, de
Smiths a Nirvana. Esse primeiro disco foi produzido pelo famoso artista
plástico e cineasta underground
americano Andy Warhol. A capa, curiosamente, trazia, além da famosa
banana-adesivo, a frase peel slowly and
see e o nome de Warhol. O nome da banda mesmo, só na contracapa,
acompanhado do nome da cantora e atriz alemã Nico, cuja participação no álbum
foi imposição de Warhol, apesar dos protestos da banda.
O “líder” da banda era o grande Lou Reed e um de seus
parceiros, pelo menos nos dois primeiros discos, foi o talentoso multi-instrumentista
John Cale. A banda não sobreviveu à virada da década e Reed e Cale seguiram
carreira solo. Em 1987, Andy Warhol, o produtor do primeiro disco – e responsável
por sua capa icônica –, faleceu em uma cirurgia. Em 1990, após mais de vinte
anos afastados, Reed e Cale resolveram se juntar em estúdio para compor uma
obra-prima da música mundial: a sua homenagem póstuma a Andy Warhol, o álbum Songs for Drella. Por ser considerado
por muitos terrível como Drácula e por outros tantos doce como Cinderela, Warhol
havia sido apelidado de Drella, mistura dos dois nomes. Chegou mesmo a posar
para fotos
vestido de mulher encarnando a personagem. Por isso o nome do disco: canções para Drella. Andy Warhol foi uma
figura muito excêntrica, estranha e enigmática, mas não será possível continuar
esse artigo sobre esse disco sem antes falarmos pelo menos um pouquinho sobre
ele.
Andy Warhol,
filho de imigrantes eslovacos, era uma criança visivelmente gay, muito branca,
que teve problemas nervosos e de pele, sendo superprotegido pela mãe e acabou desenvolvendo
uma certa aversão a seres humanos – ou seria medo? – além de hipocondria.
Tinha, no entanto, muito talento para o desenho, o que lhe rendeu seus
primeiros trabalhos em Nova Iorque para revistas, especialmente as de moda. No
entanto, ficou famoso mesmo como o criador da pop art, movimento artístico que levava para as galerias e para os
museus imagens de produtos de consumo de massa, desde objetos comuns, como
latas de sopa, até figuras icônicas do entretenimento cultural americano, como
Elvis Presley e Marilyn Monroe. A maneira como fez isso, utilizando a técnica
da serigrafia para repetir imagens à exaustão, mostrou o quanto seres humanos
eram transformados em produtos de consumo imediato, tornando a imagem mais importante
que a pessoa, e o quanto isso era perigoso para a subjetividade dessas pessoas,
que, via de regra, tinham sua vida ceifada muito cedo e sempre de maneira
trágica. Aliás, é mesmo possível dizer que toda a obra de Warhol é sobre a
morte. Em meados da década de 1950, montou e gerenciou um atelier de produção
de arte chamado Factory, “fábrica” em
inglês, denunciando o conceito de sua arte como produção em escala
industrial. O local era frequentado pelas mais diversas figuras do submundo nova-iorquino,
incluindo prostitutas, travestis, traficantes, viciados e psicóticos que,
além de produzirem muita bagunça, acabavam ajudando Warhol a produzir arte
também. Claro que, apesar das boas (ou não) intenções de Warhol, o lugar foi
ficando cada vez mais perigoso, sendo palco de suicídios e de uma tentativa de
assassinato por arma de fogo contra o próprio Warhol, protagonizada pela escritora
lésbica e feminista radical Valerie Solanis. Solanis havia escrito um manifesto
chamado SCUM – Society for Cutting Up Men
e o havia entregado a Warhol na esperança de que ele o transformasse em filme.
O fato de Warhol ter perdido o manuscrito foi o estopim para o surto psicótico
que lhe rendeu a prisão. Warhol teve vários órgãos perfurados, mas sobreviveu.
As complicações, no entanto, lhe levaram a necessitar, anos mais tarde, de uma
cirurgia e foi aí que ele acabou falecendo.
Songs for Drella aborda
todas essas questões, além das questões pessoais e difíceis de relacionamento
entre os membros da banda e Warhol. Musicalmente, é um álbum incrível de alto
valor artístico, contido porém emocionante e suave nos arranjos minimalistas,
embora um pouco fúnebre. As letras, no entanto, são pesadas e profundas,
abordando desde a infância de Warhol (só
há uma vantagem em crescer em uma cidade pequena: você a odeia e sabe que quer
sair dali, diz a primeira faixa, chamada Smalltown) até um certo remorso de Reed ao lidar com a morte de um
ídolo a quem ele mesmo muitas vezes tratou com mesquinhez. Não há outros
artistas no álbum, somente a guitarra de Lou Reed e os teclados e a viola –
espécie de violino um pouco maior – de John Cale, além das vozes de ambos, que
se alternam tanto nos vocais quanto no eu-lírico das letras, ora dando a
entender que se trata de Lou – o letrista – ora que se trata de Warhol falando
em primeira pessoa. Se você não prestar atenção nas letras, ouvirá um disco
leve com melodias lindas e arranjos sofisticados e cool. As letras, no entanto, saltam da categoria de pop music para a de alta poesia e são
muito profundas, muito biográficas e, para quem conhece a história dos
personagens envolvidos e admira sua arte, muito emocionantes. Muito mesmo.
A grande verdade aqui é que,
independente de julgamentos morais, Lou Reed – falecido em 2013 –, Warhol – em 1987
– e John Cale – ainda vivo – configuram alguns dos maiores artistas americanos
do século 20, tendo influenciado a música, o cinema, a poesia e as artes
plásticas do mundo inteiro. Warhol, na verdade, viu seu sonho de uma fábrica de
arte sem preconceitos e absolutamente inclusiva se transformar em terror para
sua vida pessoal. Ele mesmo nem usuário de drogas era. Porém, como diz a letra
de It Wasn’t Me (não fui eu), seu projeto artístico não era de vício muito menos de
morte ou de suicídio. Warhol acabou sendo tachado de promotor de violência
quando, na verdade, só quis transformar vidas a partir da arte. E este
sentimento ambíguo (a/mor/te), praticamente neo-romântico, é a tônica de Songs for Drella, da primeira à última
faixa.
Faixa-bônus: VHS
Eu tenho certeza de que um monte de gente tem esse disco e nunca viu a imagem de Warhol entre a dos dois músicos na capa. |
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