DOIS CAPÍTULOS DA HISTÓRIA DA MÚSICA ELETRÔNICA
Da imensidão de fãs da música eletrônica que lotam raves pelo mundo, poucos sabem que a
música eletrônica, no começo, era coisa de compositor clássico, ou, para os
mais chatinhos, erudito. Compositor treinado em uma escola de música rígida. Apesar
de a informação poder chocar algum desavisado no século 21, não é propriamente
algo de se espantar. Sendo uma prática relativamente recente, uma vez que só
começamos a ligar aparelhos na tomada no século passado, era preciso que alguém
realmente soubesse o que estava fazendo quando tentasse transformar elétrons em
sons minimamente agradáveis. Foi assim que se tentou de tudo, do teremim ao liquidificador.
Uma das páginas mais importantes dessa história diz
respeito a uma pessoa trans. Olha que curioso! Walter Carlos, um dos pioneiros
na composição eletrônica, virou, depois de já famoso, agora famosa, Wendy
Carlos. E vida que segue. Mas, antes de Carlos, vamos falar de Moog. Robert
Moog foi o americano que basicamente inventou o teclado. Um sintetizador, na
verdade, instrumento completamente eletrônico que imitava o som de outros
instrumentos ou mesmo executava sons novos criados em laboratório por um
engenheiro de som. E isso foi uma das maiores revoluções na história da música
mundial – como sempre, para o bem e para o mal – com efeitos largamente
sentidos até hoje. Na verdade, poder-se-ia dizer, hoje, que não há mais música
que não seja eletrônica.
A principal “usuária” dos instrumentos criados por Moog e
sua empresa revolucionária, nos Estados Unidos, foi Wendy Carlos, quando ainda
era Walter. Carlos, pianista, formado (vou falar dele no gênero masculino porque
era o que ele era na época, faz mais sentido assim) em música e física, não só
utilizava os primeiros teclados moog como também dava dicas e fazia outras
observações diretamente para Robert para que ele fosse melhorando as versões
posteriores de seu instrumento. Seu trabalho discográfico mais famoso, sem
dúvida, é a música composta e recriada para o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, em 1972.
Além do disco com a trilha sonora oficial do filme,
Walter lançou sua execução da partitura completa composta para a trilha do
filme. Essa obra completa, na verdade, consistia de composições próprias e
trechos de composições clássicas famosas de Beethoven, Purcell e Rossini, todas
executadas em sintetizadores. Nenhum som produzido naturalmente envolvido. Até
a voz era gravada, sintetizada e ressonorizada por um aparelho chamado vocoder, usado até hoje na música
eletrônica. Aquele sonzinho de voz de robô, sabe? As composições próprias
incluem a grandiosa e originalíssima Timesteps,
Tema de A Laranja Mecânica (que se
ouve no começo do filme) e a harmonicamente complexa Country Lane, que funciona como uma espécie de epílogo sonoro,
resumindo e fechando a atmosfera toda da obra. Algumas parcerias com sua produtora Rachel Elkind.
Bom, gente. Eu sentei aqui para escrever sobre alguns
capítulos da história da música eletrônica, inclusive está ali no título, não
vou mudar não, e ia começar com Wendy Carlos, passar por Kraftwerk e chegar até
Daft Punk, mas eu acho que esses últimos (talvez outros) vão ficar pra outro
dia. Wendy Carlos acho que já é um capítulo grande demais sobre a história da música
eletrônica. O bagulho que ele tocava, na época, não era um teclado bonitinho
simplesinho como você conhece hoje. Era um bagulho cheio de fios e chaves
complexos pra caralho, parecia aquelas estações de telefonia de antigamente,
sabe?, com uma mulher conectando plugues numa parede e repassando ramais e
ligações. Só que ali era trocando sons, tocando e gravando cada parte
separadamente, depois juntava tudo e saía a nona sinfonia do Beethoven,
completa, tudo com aquele som eletrônico de robô gripado com o nariz entupido.
Mas bem legal! Inclusive para quem estava criando o futuro. Há alguns 30 anos
atrás, a gente fazia muito isso, olhando para as estrelas e tentando
compreender e estar sempre atento a todas as formas de arte e de tecnologia
sempre nova. Hoje vimos que o resultado tem sido um pouco mais distópico do
que gostaríamos.
Em
outras palavras, no entanto, podemos dizer que Wendy Carlos criou o som do futuro, mas numa época em que o
futuro ainda era bom, com carros voadores, tênis que se amarravam sozinhos,
teletransporte e empregadas robô (apesar de ter de admitir que Kubrick tentou avisar). Esse futuro não aconteceu. Ele só existia nos
nossos sonhos, mais ou menos no meio do século 20.
Nostalgia.
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