O PRIMEIRO DISCO DE EDSON CORDEIRO
            Eu não sei como o nome Edson Cordeiro apita aí no
musicômetro de vocês, mas eu confesso que perdi o interesse nele na fase clubber. No entanto, assim que surgiu,
em 1992, eu achei que o cantor prometia. Voz e técnica ele tinha, restava saber
se conseguiria construir uma carreira artisticamente relevante. Bom. A carreira
eu não sei, mas o primeiro disco é muito mais foda do que algum desavisado
possa pensar. É sobre esse primeiro disco o artigo de hoje.
            Em 1992, eu fazia 14 anos. Portanto, e mesmo já sendo um
fã de música, mesmo já tendo interesse ainda não formalizado em palavras por
discos de vinil, mesmo sendo o cabação que, em certos aspectos da minha vida,
ainda sou, eu já estava arriscando comprar alguns discos. Entre eles, o
primeiro de Edson Cordeiro. Ver ele cantando a famosa ária da Rainha da Noite,
dA Flauta Mágica, do Mozart, na televisão, em dueto com Cássia Eller
cantando Satisfaction, dos Rolling
Stones, me impressionou. Curiosamente, hoje eu acho essa a faixa mais fraca do
disco.
            Mas o disco abre com Creole
Love Call, do compositor de jazz americano Duke Ellington. A faixa tem
quase cinco minutos e vale cada segundo. Edson canta a melodia sem letra com
voz aguda, mas suavemente, sem se esgoelar para se aparecer. A faixa é um jazz
suave com uma melodia linda e um ritmo lento e delicioso. Nem vulgar, nem
difícil. Uma obra prima.
            A faixa seguinte abre com a cantora espanhola Marisol
cantando El Rio de Mi Sevilla, de
Manoel Molina, compositor espanhol, e segue com Edson cantando La Séguedille, que na verdade é uma ária
da ópera Carmen, do compositor
francês Georges Bizet. Essa ópera tem uma característica curiosa: o libretto dela é em francês, apesar de a
história toda se passar na Espanha. O arranjo no disco do Edson, de Tuco
Marcondes, somente com um violão e palmas, como nas famosas canções tradicionais
espanholas, deixa isso mais evidente. Nessa ária, a cigana Carmen seduz o cabo
Don José cantando sobre sua liberdade amorosa e sexual que ela exercerá na casa
(taverna?) do seu amigo Lillas Pastia. Edson dá conta da melodia inteira muito
bem, uma vez que essa personagem foi escrita para mezzo-soprano, registro
ligeiramente mais grave que o de soprano, caso da Rainha da Noite.
            Em seguida vem Baioque,
do Chico Buarque, também numa gravação primorosa. O título Baioque, pra quem não sabe, é uma mistura de baião com rock. Mais
uma vez o arranjo evidencia esse diálogo entre os dois ritmos, com Oswaldinho
do Acordeon no acordeon (óbvio) e Tuco Marcondes na guitarra. A faixa foi
lançada originalmente por Maria Bethânia no álbum Quando o Carnaval Chegar, trilha sonora do filme de mesmo nome
dirigido por Cacá Diegues. Edson canta com voz menos aguda, mais ou menos com o
registro de um tenor.
            E aí vem a faixa que eu acho a mais incrível de todas.
Espero que ninguém nivele as outras por baixo quando ler isso, já que todas são
incríveis mesmo, mas essa é genial demais. Naturträne,
da também incrível cantora e compositora alemã Nina Hagen, foi composta por ela em
uma de suas melhores fases, o início da carreira com a Nina Hagen Band. Nada nessa canção é convencional. A harmonia é
surpreendente, a melodia é linda e sofisticada e o ritmo, que me soa como um
rock-balada meio épico na gravação original, de 1978, ano do meu nascimento,
nessa gravação do Edson Cordeiro ficou mais sofisticado ainda, quase como uma
trilha sonora (boa) de filme de terror. O arranjo incrível é de Miguel
Briamonte e tem até uma orquestra de cordas. A voz de Edson aqui arrasa, tanto
no começo mais suave quanto no final explosivo e agudíssimo. Eu ousaria dizer
que essa gravação é melhor que a original.
            O lado A fecha com Sometimes
I Feel Like a Motherless Child, canção bem antiga de um gênero americano
conhecido como spiritual, gênero
exclusivamente negro e que versa quase sempre sobre a escravidão. E não se
enganem: a letra simples e o arranjo
minimalista, aliados à voz de Edson cantando de novo suavemente, embora dramaticamente,
transformam essa faixa numa das coisas mais belas que você vai ouvir, se já não
ouviu. Emocionante mesmo. Mesmo. Mesmo. Já falei mesmo?
            O lado B começa com a exuberante fusão de Der Hölle Rache kocht in meinem Herzen,
a famosa ária da personagem Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, com Satisfaction,
dos Stones, cantada por Cássia Eller. A brincadeira aqui é confundir os
gêneros. Enquanto Edson faz a voz feminina (e aguda demais para o seu registro
vocal) da personagem de Mozart, Cássia rasga as palavras de Satisfaction com sua voz grave, rouca e
suja de roqueira. Quem conhece a ópera sabe que Edson exagerou na ousadia nessa
faixa (era para aparecer mesmo, talvez até para criar um marco inicial para sua
carreira), mas o mais provável é que nenhum homem (pelo menos os biológicos)
tem capacidade de alcançar as notas agudas que Mozart colocou nessa ária. Poucas
mulheres têm, mesmo entre as sopranos academicamente treinadas. A faixa também
é meio kitsch. Quando eu ouço esse álbum hoje, confesso que ela me dá um
pinguinho de vergonha alheia. Não gosto de escrever esse tipo de coisa. Eu acho
mesmo que crítico, quando não tem nada de bom pra dizer, devia ficar quieto. No
entanto, eu só insisto nisso para deixar claro que: quem pensa que conhece esse
disco por essa faixa está enganado. O disco inteiro é muito melhor que ela. Mas
muito mesmo. Assim como o Sol é mais distante que a Lua. Muito.
            Aí vem uma divertida gravação de Kiss, do controverso Prince. Apesar de ser um clássico da música
pop, o arranjo aqui novamente de Tuco Marcondes é só um violão mesmo e a voz de
Edson, que se apropria da canção de modo a quase fazer parecer que ela foi
mesmo composta para ele cantar. E o arranjo voz e violão não tira nada do ar
pop original dela.
            A Lua É um Balão,
versão de uma canção americana, na minha opinião abre a sessão menos expressiva
do álbum: o final. No entanto, gostaria de deixar claro que esse final não é propriamente
ruim. É que o álbum inteiro até aí é tão foda que parece que essas últimas
faixas servem para desacelerar o coração do ouvinte. 
            No entanto, isso se dá aos poucos porque, depois dessa
faixa, ainda há um grito de genialidade em Mercedes
Benz, aquela famosa na voz de Janis Joplin, num surpreendente arranjo
contrabaixo acústico e voz. Nessa faixa, Edson alterna uma voz aguda com uma
bem mais grave, mostrando, sem exagerar, seu talento e sua extensão vocal.
Ótima faixa também. Corajosa no arranjo e leve na execução.
            Down em Mim é a
penúltima canção do álbum, composta por Cazuza, e Voz de Mulher, de Sueli Costa e Abel Silva, a última. Nelas,
curiosamente, e apesar do título da última, Edson canta usando seu registro
mais natural (sem imitar uma mulher, falando assim mais didaticamente). Como eu
disse antes, são faixas muito boas, mas sem o nível de genialidade das outras. 
            Enfim. Conclusão que chama, né? Esse texto ficou grande...
O primeiro disco de Edson Cordeiro É UMA OBRA PRIMA. Pra quem só conhece a fase
clubber ou só conhece a faixa mais famosa
(com Cássia Eller) ou não conhece nada, fica a dica. Se você gosta de música
boa, você vai se surpreender muito.

Boa resenhis, e belissimo aparelhis;
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirMuito bom.
ResponderExcluirObrigado!
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