2001, UMA ODISSEIA NA AGULHA

 


 

            O filme 2001 Uma Odisseia no Espaço é sem sombra de dúvidas o clássico dos clássicos. É o meu filme favorito de todos os tempos por unir em uma obra só um monte de coisas que eu amo: ciência de verdade, ficção científica, imagens futuristas com enquadramento clássico (evidente nos planos simétricos, típicos do diretor Stanley Kubrick), efeitos especiais não computadorizados (embora muito eficientes), muita simbologia, um final surpreendente e estarrecedor e música de excelente qualidade. Lembro que uma vez assisti a esse filme num cinema de arte (era uma daquelas fitas de rolo antigas, cheias de marquinhas pipocando na tela e um som meio distorcido), aqui em Florianópolis, num de seus aniversários, e foi então que descobri a potência do gênio de Kubrick ao trabalhar a trilha sonora de seus filmes, todos clássicos imperdíveis.

            Isso porque descobri, nessa sessão de cinema, já de cara, que a versão do cinema do filme não é igual à que passava na Globo, dublada, cheia de cortes. O filme começava com mais de um minuto de tela completamente escura e a potente música ultramoderna e assustadora do compositor austríaco (aliás, como Mozart) György Ligeti. Só depois desse minuto e meio de terror (não conferi o tempo, tá, gente?, mas é por aí) é que aparecia então na tela, em azul, o logo da Metro Goldwyn Mayer e se ouvia então o primeiro e longo acorde da introdução do poema sinfônico Assim Falou Zarathustra. E o filme seguia, genial a cada segundo.

            Pois achei o disco e comprei, claro. O lado A começa com essa introdução. Eu não vou me alongar no assunto aqui, mas nada do que eu disse até agora é leve ou pequeno. Kubrick, Zarathustra, Ligeti, o compositor dessa peça (Richard Strauss), sua inspiração para a composição (o famoso livro de Nietzsche de mesmo título), tudo isso carrega tanta simbologia pesada e profunda, e tudo isso é tão fundamental na construção de todo o pensamento ocidental a partir do século 20, que seria necessário outro artigo... Pfff... artigo... seria necessário um livro para minimamente dar conta disso tudo. E olhe lá. Mas vamos de resumão. Also Sprach Zarathustra é simplesmente o livro do filósofo alemão Friedrich Nietzsche em que ele desbanca toda a filosofia escrita até então, diz que Deus está morto, que almeja a vinda do super-homem, seja isso o que for, e faz tudo isso usando a mais pura poesia em prosa. Não é um livro comum de filosofia, é um livro de poesia em prosa falando isso tudo aí. (Pessoas que realmente saberiam falar sobre esse assunto direito, por favor, me perdoem). Aí, o compositor alemão Richard Strauss compôs um poema sinfônico, que é como se fosse uma trilha sonora para o livro. Ele escolheu alguns capítulos e compôs músicas para eles. Seu estilo é bem difícil, um romantismo tardio, quase virando música moderna, bem simbolista. A introdução desse poema sinfônico é a primeira faixa dessa trilha sonora. Agora pensa na carga simbólica que isso tudo carrega, especialmente depois de um minuto e meio de tela escura no cinema com uma música assustadora.



            A segunda e a terceira faixa são novamente Ligeti e sua música sem harmonia, sem ritmo e sem melodia. Uma música de sons e gritos assustadores, diria um leigo, entre eles eu. Porém, uma música muito boa para criar um clima tenso de verdade. A última faixa é a primeira parte da famosa valsa Danúbio Azul, do outro Strauss, o Johann (ou pelo menos um deles, que a família de músicos era grande, todos com o mesmo nome). Johann Strauss II – bem como os outros – era essencialmente um compositor de valsas vienenses. A valsa ficou dividida em duas partes no vinil assim como no filme.

            O lado B começa com uma das melodias mais lindas que a humanidade já produziu, apesar de não ser tão famosa: um trecho da Suíte Gayane (suíte é como se fosse um resumo de uma peça musical maior), adagio (lento), de um compositor armênio chamado Aram Khachaturian (Արամ Խաչատրյան – eu já disse que acho lindas as palavras escritas em outros alfabetos?). Essa melodia linda voa basicamente sozinha nas cordas, quase sem marcação de ritmo ou de harmonia, além, como já disse, das cordas. Um espetáculo. Depois tem mais Ligeti, o final do Danúbio Azul e uma repetição da introdução do Zarathustra.

            Às vezes eu me pergunto se essa “coletânea” quase cubista da música clássica ocidental se sustentaria como disco se não fosse a trilha sonora de um filme icônico como 2001. De qualquer modo, não é como se eu achasse que essa dúvida importa, até porque é a trilha sonora do filme e é uma trilha sonora tão bem combinada com o filme (cito como exemplo a cena em que as naves e estações espaciais movimentam-se pelo espaço ao som de Danúbio Azul, como se estivessem aquelas toneladas todas de metal dançando suavemente uma valsa num pequeno pedaço do infinito), mas ao mesmo tempo de um modo tão profundo, que o fato de uma coisa sustentar a outra sequer tiraria qualquer valor do objeto disco, claro. Até porque a música é excelente.

 

 

Dois livros: o roteiro do filme transformado em romance pelo próprio autor e o livro de Nietzsche que inspirou a faixa mais famosa da trilha sonora.


O poema sinfônio Also Sprach Zarathustra completo, de Richard Strauss, baseado no livro homônimo de Nietzsche, também vale a audição. Obra prima do romantismo alemão. 

 

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